A Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy1

João Gilberto Engelmann

É por entender os direitos fundamentais como estrutura primordial de qualquer constituição do Estado de Direito, que a Teoria dos Direitos Fundamentais, que dispõe de elogiada tradução para o português, é, como depõe Sweet, Yale Univerity, “a mais importante e influente obra de teoria constitucional escrita nos últimos cinquenta anos.” Mais do que somente um discurso sobre direitos fundamentais, é uma reestruturação e teórica propriamente constitucional, radicada na formatação da constituição germânica.

Considerando, assim, a vasta construção teórica sobre o tema direitos fundamentais, qualquer teoria gera, além de outras, uma ideia que se soma às prerrogativas já existentes no rol das discussões sobre direitos assim específicos, enquanto problemática das garantias que suprassumem a pura matriz naturalista, ganham espaço no direito positivo ao mesmo tempo que se alojam numa posição que poderá ser designada como pós-positivista, enquanto compreensão da existência de princípios e valores dos direitos fundamentais. Em se tratando de Robert Alexy, basta dizer que se trata de uma teoria sobre os direitos inalienavelmente humanos, no sentido de exibidores da dignidade humana.

Assim sendo, qualquer análise filosófica percebe um percentual considerável de dignidade da pessoa humana presente na específica teoria dos direitos fundamentais, não somente enquanto conceito exterior do direito hodierno, mas como prerrogativa destaque do desenvolvimento da ideia de um direito que leva em consideração a existência de uma quota de direitos inalienáveis e desejosamente postos diante do direito positivo. Significa dizer que o próprio direito positivo reconhece a existência de uma relação imediata entre o ser humano e subsídios inerentes a sua vivência em sociedade, cominando nas normas de direitos fundamentais. Mais do que isso, entender os direitos fundamentais como direitos de dignidade contemplados numa constituição significa referir a própria dignidade da pessoa humana enquanto pressuposto da existência de uma humanidade racional.

Ainda que sendo uma “teoria jurídica dos direitos fundamentais da Constituição Alemã”, goza de um íntimo dispositivo universalizador que tende sempre, enquanto teoria, a expandir suas considerações para além do direito germânico. (p. 33)

Todo o texto remete-nos a uma discussão sobre direitos fundamentais em três vieses, e que nortearão toda a leitura e análise da obra. Assim sendo, trata-se, como o próprio Alexy avisa, a) de uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição Alemã, b) uma teoria jurídica dos direitos fundamentais e, por fim, c) uma teoria geral dos direitos fundamentais.

Sob essa ótica, a) dirá respeito exclusivamente aos direitos positivados na constituição germânica e que se somam como direitos fundamentais objetivos, justamente por comporem diretamente o ordenamento jurídico alemão. Assim, a teoria jurídica dirá respeito a uma conotação científica do direito enquanto dogmática, ou seja, compreendendo as estruturas de direitos fundamentais como pertencentes à Ciência do Direito. Por isso mesmo, compreende uma formação dogmática complexa, pela sua divisão em empírica, analítica e normativa, cada qual especificando uma dimensão do direito enquanto ciência humana, e o dispondo enquanto uma teoria estrutural dos direitos fundamentais. Por seu turno, enquanto teoria geral dos direitos fundamentais, propõe-se a uma análise total dos problemas referentes a cada um dos direitos fundamentais, como é o caso da liberdade, igualdade, etc., significando que tende a levar a cabo todas as interrogações cabíveis dentro de cada direito em específico.

Assim sendo, o conceito de norma, que passa a ser especificando a partir do segundo capítulo, tende a dispô-la enquanto noção genérica de regramento da conduta. Ou seja, o conceito de norma de direitos fundamentais não difere muito do conceito genérico que atravessa as discussões jurídicas. Além disso, essas normas, sendo de direitos fundamentais, versarão justamente sobre direitos fundamentais, no sentido de especificarem a problemática da positivação e da principiologia que norteia suas concepções e atuações.

É assim, por exemplo, que a teoria das normas de direitos fundamentais, como acontece em Müller, tende a transcender a pura dogmática positivista no sentido de contemplar, além disso, princípios e valores inerentes aos direitos fundamentais. Significa dizer que essas normas compreendem um terreno mais vasto dos direitos fundamentais, ainda que normas de direitos fundamentais, como é o caso do ordenamento alemão, estão contidas objetivamente – positivadas- no corpo da constituição.

É assim também que a própria estruturação dessas normas leva em consideração a existência e pertinência de regras e princípios. Nesse rol, a clássica diferenciação entre ambas é feita pela chamada diferenciação por generalidade, onde os princípios conservam um grau mais elevado desta, enquanto as regras se mantêm mais específicas, o que não exime a existência de conflitos ou até mesmo colisões entre essas regras e os princípios. Porém, ainda que esporadicamente conflitantes, regras e princípios são consideradas por Alexy como razões de naturezas distintas, no sentido de que as primeiras conservam um caráter mais definitivo, ao passo que aqueles reservam uma natureza prima facie, denominações que, no fundo, explicitam uma diferenciação em razões para a ação e razões para normas, elucidando, assim, essa distinção entre a natureza das razões que as movem.

Ainda, pode ser interpretada uma opção clara de Alexy pela reciprocidade entre a Teoria dos Princípios e a Máxima da Proporcionalidade. Na verdade, o que o autor conclui é que a Máxima da Proporcionalidade, a partir de sua estrutura que contempla a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, decorre da própria natureza dos princípios, concluindo, assim, uma imediata relação entre ambos.

Assim também, da natureza dos princípios e regras é que Robert Alexy distribui modelos que justificam e legitimam a existência de normas garantidoras de direitos fundamentais. Ou seja, além de normas diretas sobre direitos fundamentais, concorrem normas de efetivação desses direitos, no sentido de contemplarem a eficácia ulterior, que é aquela que analisa o cumprimento dessas normas, diferente da eficácia objetiva que advem da existência das normas no ordenamento jurídico.

Assim, nascem, por exemplo, o modelo puro de princípios, o modelo puro de regras, que considera os direitos fundamentais a partir de uma reserva, que pode ser inexistente, simples ou qualificada, e modelo de regras e princípios, que alude a existência de níveis das regras e o duplo caráter das normas de direitos fundamentais.

Naquilo que se refere à teoria dos princípios e valores, poderá ser percebido, dentro da própria dialética dos princípios, uma colisão e um sopesamento entre estes. O mesmo ocorre entre valores, que ao passo que conflitam entre si, também podem sofrer sopesamento. Nessa mesma esteira, diferentes formas conceituais aludem a fluência de princípios e valores, como, por exemplo, conceitos de natureza deontológica, que preceitua um caráter ético, axiológico, que leva a cabo a pergunta pelos valores, e antropológico, que os põe no horizonte do pensamento humano, conforme o próprio esquema proposto por Alexy (p.151).

Assim também, enquanto objeção a essa teoria dos valores e princípios, surgem construções filosóficas, metodológicas e dogmáticas, no sentido de analisar a estrutura dos princípios e valores a partir de uma suposta hierarquia, bem como sopesamento. Surgem enquanto contrapontos que levam em consideração a justificação, a forma e o seguimento puro da ciência jurídica. Nesse caso, quaisquer deficiências dessas estruturas legitimaria uma objeção mais séria da teoria em questão.

Quando no capítulo quarto Alexy se propõe a analisar a idéia de direito fundamental como direito subjetivo, tem em mente as dificuldades históricas e filosóficas dessa associação. Elenca, assim, perguntas de natureza normativa, empírica e analíticas, que tendem a contemplar o diálogo já tenso entre a possibilidade de direitos fundamentais enquanto subjetivos.

Assim, relacionar a idéia de direitos fundamentais a direitos subjetivos, quando transpassados por questões normativas, exige uma distinção metodológica entre uma formulação ético-filosófica e outra jurídico-dogmática. Esta segunda, que tende mais à forma dos direitos fundamentais presentes na constituição germânica, o que significa dizer que se trata de direitos objetivamente presentes num sistema jurídico específico. Já as perguntas de natureza filosófica, ainda que não refiram nenhum particularidade, existem de per si, enquanto problemática que independe da existência espácio-temporal da dinâmica dos direitos humanos fundamentais.

Já as perguntas empíricas sobre direito subjetivo levam em consideração a aplicabilidade de uma norma objetiva num caso específico, do que decorre seu empirismo. Por seu turno, perguntas analíticas tendem a questionar, a partir de uma preliminar diferenciação entre norma e posição, o cerne sistemático da dinâmica conjuntural do direito subjetivo, importando, inclusive, uma diferenciação por níveis, na qual se leva em consideração as razões, as posições e relações jurídicas e sua exigibilidade. Além disso, referir direitos subjetivos conclui uma opção pela diversidade dos mesmos, justamente angariada pela pergunta analítica.

Assim, também, quando refere aquilo que chama de Sistema de posições jurídicas fundamentais, Alexy empreende uma divisão metodológica dos direitos fundamentais a partir da sua referência direta a algo, enquanto relação triádica que dispõe sujeitos de relação jurídica. Ou seja, somam-se nessa relação o portador do direito, seu destinatário e objeto, decorrendo, assim, a existência de ações negativas (defesa) e positivas, sempre considerando a estrutural tríplice da relação.

Ainda dentro desse mesmo sistema, somam-se as liberdades e competências. Aquelas têm em vista justamente uma liberdade jurídica, amparada na idéia de que direitos fundamentais aludem a uma estrutura objetiva de garantias constitucionais, como ocorre no ordenamento alemão. No entanto, mesmo essa análise a partir da consciência de vigência objetiva das normas de direitos fundamentais dentro de uma ordem nacional positiva não deixa de considerar aquilo que Alexy chamou de liberdades não-protegidas, ou de permissões, na qual se insere uma permissão para fazer ou deixar de fazer, ainda que não incluindo proteção por meio de normas e direitos garantidores de liberdade. Já as liberdades protegidas estão associadas a essas normas e direitos garantidores, decorrendo disso a proteção.

Por seu turno, a análise da competência refere objetivamente uma problemática terminológica, além da noção de capacidade, entre outras, mas refere, grosso modo, a titularidade de alguém ou de uma instituição para criar ou alterar uma situação jurídica. Assim, por exemplo, os direitos fundamentais, quando postos em relação à ideia de competência, aludirão sempre aquilo que se chama de competência do cidadão e competência do estado. Assim, surgem requisitos objetivos pelos quais o cidadão é ou não competente para criar e desenvolver relações jurídicas na sociedade e, assim, gozar de seus direitos e garantias fundamentais. Já na competência do estado as normas de direitos fundamentais surgem como que limitações negativas à capacidade de ação do mesmo, restringido a própria atuação estatal em relação aos direitos fundamentais, que sempre são considerados enquanto direitos completos, ou seja, não analisados individualmente mas como que para todos.

Coube, ainda, no capítulo cinco, uma apresentação da teoria do status desenvolvida por Jellinek, o qual o divide entre status negativo e positivo, e passivo e ativo, sempre pré-concebendo a posição global, seja ou não abstrata, dos direitos fundamentais. Assim é que o indivíduo passa a ser visto a partir de seu status em relação a. Nesse sentido, ao passo que se submete às disposições do regramento jurídico, demanda e exige o cumprimento das normas de direito fundamental, surgindo como status passivo ou ativo, positivo ou negativo. Ainda assim, resta à teoria do status de Jellinek objeções quanto à obscuridade das “relações das diferentes posições elementares entre si”. (p. 269)

Importantes considerações contidas na Teoria dos Direitos Fundamentais são aquelas presentes na discussão acerca das restrições dos direitos fundamentais, analisadas, por exemplo, a partir da possibilidade lógica dessa restrição que tende a perguntar pelo direito em si e, havendo a restrição, o direito restringido. Assim sendo, até mesmo regras e princípios podem restringir normas de direitos fundamentais, somando-se às restrições diretamente constitucionais, na qual regras de mesma hierarquia ou de hierarquia inferior com legitimidade daquela podem restringir os direitos fundamentais. Assim também, surgem as restrições indiretamente constitucionais, quando a própria constituição autoriza um agente externo a fazê-las, como casos de reserva explícitas.

Assim também, o âmbito de proteção e suporte fático são estruturas relativas àquilo que é garantido prima facie pelas normas de direitos fundamentais, sem se considerar as possíveis restrições. No entanto, nenhum dos dois estatutos garante uma garantia irrestrita aos direitos fundamentais, havendo, pelo contrário, restrições de variadas formas. Como refere Müller, a própria natureza jurídica das normas é que pode ser considerada a única restrição imanente que contêm.

Os capítulos que seguem posteriores ao sétimo fazem uma abordagem conceitual sistemática e metódica de alguns direitos fundamentais, como é o caso dos direitos de liberdade e igualdade. Assim, então, é que a liberdade, enquanto direito fundamental inquestionável, remonta uma concepção formal-material de sua construção histórico-filosófica e jurídico-normativa. Nessa esteira, relevante é a idéia surgida de que o direito de liberdade compreende uma garantia a algo que aduz a forma e que lhe falta conteúdo, que, além disso, é carente de suporte fático e de substância.

Assim, tendo em vista essas objeções aos direitos de liberdade, Alexy propõe uma vinculação direta entre princípios formais e materiais, no sentido de elucidar a existência de um conteúdo e suporte para a existência de normas de liberdade, bem como de citar esferas de proteção e direitos de liberdade implícitos.

No que diz respeito às normas do direito fundamental à igualdade, o que se leva em consideração é a sua importância na criação e aplicação do próprio Direito, bem como a estrutura do dever de igualdade nessa criação jurídica, ao passo que fundamentam a própria existência e necessidade do Direito enquanto regramento social. Assim também que a referência à igualdade leva em consideração o tratamento igual ou desigual, não como estruturas antagônicas, mas como disposições até mesmo necessárias à manutenção do estado e do direito, no sentido da aplicação diversificada das normas que visam um fim mais amplo. Nesse mesmo rol é que são analisados os sentidos diversos do tratamento igual ou desigual de acordo com a ênfase jurídica e/ou fática. Significa, ainda, que a igualdade identifica pressupostos distintos diante do direito e da formação dos fatos na sociedade, do que decorre uma aplicação diferenciada num e noutro caso, cabendo, assim, por exemplo, a importância do princípio da igualdade fática, no sentido de evitar colisões entre as igualdades.

O Capítulo 9 direciona a discussão dos direitos fundamentais pelo itinerário estatal, enquanto menção à existência de direitos a prestações positivas. Assim, sabendo-se que direitos fundamentais sempre tenderam a garantir o cidadão em relação às investidas estatais, torna-se necessário compreender a existência de direitos de exigir prestações do estado. Significa que, além da proteção contra atividades possivelmente nocivas por parte do estado, surge com conjunto de direitos que possibilitam ao cidadão demandar coisas ao estado. Assim nascem, por exemplo, justificados constitucional ou jurisprudenciamente, os direitos sociais, enquanto prestações que são deveres do estado para com os indivíduos, como ocorre no estado alemão e até mesmo brasileiro. Isso gera, por outro lado, perguntas que tendem a contemplar a natureza dessas prestações e até mesmo a natureza e função do estado e da própria constituição.

É sob essas considerações que Alexy propõe uma ideia-guia (p. 446) no diálogo sobre a origem e relevância dessas prestações. Assim, sugere a análise dos direitos fundamentais enquanto garantia tão relevante que não podem ser tomada simplesmente pela maioria parlamentar simples. Ou seja, o alto grau de relevância dos direitos constitucionais impede que seja dado a maioria parlamentar o direito de decidir sobre a garantia ou não garantias dos mesmos. Além disso, soma-se o problema de se entender os direitos fundamentais enquanto ordem formal presente na constituição de um estado democrático. Além de positivados constitucionalmente, é a garantia feita pelo estado que dará a esses direitos uma aplicação material, no sentido de existirem de fato. Sendo assim, nada mais certo do que o estado criar mecanismos e direitos próprios de proteção àqueles tidos como fundamentais.

Assim também é que o sistema jurídico compreende os direitos fundamentais e suas normas. Não basta tão somente a decisão exterior de opção de um estado pelos direitos fundamentais. Alexy deixa claro que essa opção exige a criação de normas de efetivação desses direitos. Assim, após o reconhecimento dos mesmos, surge a tarefa de elaborar normas para o seu exercício dentro do estado, que além de uma posição, mantém uma relação jurídica continuativa, semelhante a dinâmica dos direitos fundamentais, que contêm, além dos direitos subjetivos de defesa contra o estado, uma ordem objetiva de valores que se irradia pelas diversas formações do direito e da sociedade.

É assim que Alexy determina a existência de normas de direitos fundamentais em relação ao estado, levando em consideração, além da natureza do sistema jurídico, disposições argumentativas e de competência, onde se somam as bases da própria argumentação sobre direitos fundamentais, que visa, além do texto constitucional e a vontade imanente, os precedentes e as teorias materiais dos direitos fundamentais, do qual se pode vislumbrar todo o processo da argumentação no âmbito desses direitos. É o mesmo que dizer que referir direitos fundamentais é preconceber a fase argumentativa que justifica e explica suas disposições e normas.

Nesse sentido, referir a Teoria dos Direitos Fundamentais é citar uma dimensão sólida do conhecimento sistemático que esclarece e dispõe base segura para a compreensão do direito enquanto construção humana que, além de elucidar, justifica a luta e o processo de constitucionalização do direito privado, por exemplo.



ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

Um comentário:

  1. Anônimo17:18

    Obrigado pela publicação, muito útil para resumir a obra de Robert Alexy.

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