Torá, Torá, Torá


Tora! Tora! Tora! (Tora! Tora! Tora!)
EUA/Japão, 1970 - 144 min.

Direção: Richard Fleischer, Kinji Fukasaku
Roteiro: Ladislas Farago, Larry Forrester
Elenco: Martin Balsam, Sô Yamamura, Jason Robards, James Whitmore, E. G. Marshall, Takahiro Tamura, Tatsuya Mihashi, Eijirô Tono

por Júlio César Guedes Antunes



O que realmente foi o ataque a Pearl Harbor? A nação norte-americana, com todo seu aparato militar e tecnológico, foi completamente surpreendida pelo inimigo em seu ponto mais vulnerável? Essa é com certeza uma das questões de primeira grandeza do século XX e certamente não merece ser tratada com a frivolidade da produção de 2001 Pearl Harbor, do diretor Michael Bay. Conhecido por seus filmes com cara de propaganda de cartão de crédito, Bay inseriu um romance-pastelão horroroso na história para deixá-la, digamos, mais “digestível” para o público atual.

Mas quem não ficou satisfeito com esse dramalhão-fiasco pode procurar refúgio em Tora! Tora! Tora! (EUA/Japão, 1970), que com certeza não ficará decepcionado. O filme é, na melhor das definições, um retrato do ataque e dos eventos que o desencadearam. É claro que os adeptos das teorias da conspiração podem não concordar, pois não vemos o presidente Roosevelt ou qualquer militar do alto-escalão americano esconder informações para forçar a entrada do país na guerra. Simplesmente é mostrada a versão oficial, imparcial, dos acontecimentos.

Por ser uma produção conjunta dos dois países, na história não temos heróis e vilões, nem covardes ou heróis: temos personagens históricos que agiram de certa forma sob tais condições. O tom aqui é quase documental, inclusive com legendas explicativas apresentando os personagens mais importantes. A fidelidade histórica foi levada ao extremo, e o resultado agrada muito aos iniciados no assunto.

Duas equipes de produção foram montadas: uma americana e uma japonesa. Inicialmente, o lendário diretor Akira Kurosawa dirigiria a parte japonesa, pois ouvira dizer que David Lean dirigiria a parte americana. Ao descobrir que Lean não estava envolvido com a produção, Kurosawa desanimou-se, gastando tempo e dinheiro e apresentando pouquíssimo resultado. Como conseqüência, foi demitido, e na montagem final é apresentado menos de um minuto do que ele filmou. Em seu lugar foi contratado Kinji Fukasaku, que assumiu competentemente a batuta. Do lado dos EUA, Richard Fleischer estava por trás das câmeras, filmando em locações no Havaí e Washington DC.

A história começa com a troca de comando na Marinha Imperial japonesa. O Almirante Isoroku Yamamoto (Sô Yamamura) recebe o comando da frota, e tem a missão de planejar um golpe devastador contra a Marinha americana do Pacífico. Yamamoto traz para sua equipe o brilhante Comandante Minoru Genda (Tatsuya Mihashi), que formula o ataque-surpresa com torpedos e bombardeiros. O nível das atuações é alto e em nenhum momento vemos traços de homens fanáticos e pouco inteligentes, como o “inimigo” costuma ser tratado usualmente por Hollywood. O destaque do elenco japonês é claramente Takahiro Tamura, que interpreta o Tenente-Comandante Mitsuo Fuchida. Fuchida é um homem de ação e um líder de homens nato. O carisma que Tamura empresta ao personagem que lidera o ataque ao porto americano, é mais um fator que leva o espectador a não tomar lados e não criar uma “torcida”, apenas assiste-se ao desenrolar da trama, que é muito bem costurada.

No Havaí, a história começa com a chegada do Almirante Husband Kimmel (Martin Balsam) a Pearl Harbor, já mostrando sua preocupação com um possível ataque. O mesmo temor acomete o General Walter Short (Jason Robards), que inclusive ordena a aglomeração das aeronaves para dificultar uma possível ação de sabotagem (inadvertidamente facilitando o trabalho de um ataque aéreo). A partir desses perfis, pode-se dizer que Tora! Tora! Tora! está mesmo à frente de seu tempo, pois esses dois oficiais, demitidos como bodes-expiatórios pelo ataque-surpresa, só foram reabilitados pelo governo americano na década de 90. As dificuldades de comunicação entre as novas estações de radar (que ninguém compreendia completamente como funcionavam) e o comando central havaiano, e deste com Washington, estão patentes no roteiro. Em certo momento, um soldado em vigia numa remota estação de radar pergunta ao seu superior: “E o que devemos fazer se detectarmos algo? Não temos comunicação.” “Desça pela estrada até o posto de gasolina, eles devem ter um telefone lá.”, é a resposta. Exageros à parte, a situação era bem semelhante na realidade.

Os americanos possuem uma máquina capaz de decodificar as comunicações cifradas de Tóquio com a embaixada japonesa em Washington, e ler seu conteúdo mais rápido que o próprio embaixador. O sistema é muito bem retratado no filme, enquanto é apresentado ao Coronel Rufus Bratton (E. G. Marshall), oficial recém-designado para esse serviço. É muito interessante ver o organograma de pessoas com autorização para ler as comunicações, e vemos que muitos oficiais de alta patente ficaram de fora.

Às vésperas do fatídico dia 7 de dezembro, os japoneses enviam uma mensagem em 14 partes, que deveria ser lida pelo embaixador Nomura (Shogo Shimada) e entregue ao Secretário de Guerra dos EUA Henry Stimson (Joseph Cotten) contendo um ultimato exatamente 50 minutos antes do ataque. Mas pela lentidão do datilógrafo da embaixada japonesa, a mensagem só é decifrada tarde demais. Os americanos, pelo contrário, a decifram imediatamente, e tentam passar o aviso de ataque ao Havaí, mas são detidos pelas más condições atmosféricas no oceano. O espectador percebe que uma série de infortúnios impediu o alerta ao Havaí e permitiu a completa surpresa do ataque. O filme, com seus 144 minutos, dedica quase a integridade seus dois terços iniciais ao desenvolvimento da trama, o que pode ser considerado tempo demais por alguns. Mas pode-se garantir que a espera pelo ataque vale cada segundo.

A decolagem das aeronaves japonesas é uma das cenas mais belas de qualquer filme de ação, com o fumo azulado dos motores brilhando contra a aurora. Os (muitos) caças japoneses em cena são modificações (bastante fiéis) de Texans T-6 e Valiants BT-13. O próprio porta-aviões Akagi é o USS Yorktown (CVS 10) mascarado para parecer o antigo antagonista nipônico. O filme também aborda uma parte do ataque esquecida pelo Pearl Harbor de Bay: o ataque dos mini-submarinos japoneses. Um deles é mostrado tentando entrar no porto, e é atacado pelo destróier USS Ward. A cena do ataque foi baseada em relatos dos tripulantes do Ward, que clamavam ter atingido o mini-submarino em sua torre com um tiro de canhão. A descoberta recente dos destroços desse mini-submarino confirmou os relatos e o local exato do impacto. Uma curiosidade é que também aqui é mostrado o personagem Doris Miller (Elven Havard), interpretado em Pearl Harbor por Cuba Gooding Jr., fazendo a mesma cena em que assume a metralhadora antiaérea.

Dizem que uma boa cena de ataque se faz pela escala da catástrofe; por esse lado, Tora! Tora! Tora! tem fome de destruição. Dezenas de réplicas de caças Curtiss P-40 foram construídas somente para serem explodidas, e de forma bastante convincente. Numa seqüência impressionante, um dos caças tenta decolar em meio ao ataque, é alvejado durante a corrida, perde o cubo da hélice, desestabiliza-se e choca-se contra uma fileira de caças estacionados. É simplesmente estonteante! Pouco importa que essa mesma cena de destruição seja repetida por outro ângulo alguns minutos depois, é simplesmente espetacular! Algumas cenas não planejadas também deixaram o filme muito rico no quesito realismo: alguns B-17 são mostrados chegando ao arquipélago, bem em meio ao ataque, e um deles é atingido, travando a roda direita do trem de pouso. O que se segue é uma cena impressionante do pouso de uma Fortaleza Voadora sem uma das rodas! Na verdade, essa cena foi gravada durante um acidente nas filmagens, pois de forma alguma poderia ser feita propositalmente. Como ninguém ficou ferido e a aeronave foi restaurada, o acidente somente incrementou o nível da película. As cenas de combate aéreo também são dignas de nota, comparáveis em beleza às de A Batalha da Inglaterra.

Os últimos momentos do filme mostram Fuchida enfurecido com a recusa do Almirante Nagumo (Eijirô Tono) em continuar o ataque e destruir os depósitos de combustível e as docas secas. Em Washington, Stimson recebe a tardia declaração de guerra de um envergonhado Nagumo, e no Japão, Yamamoto se mostra preocupado com o que acabara de acontecer. “Temo que apenas tenhamos acordado um gigante adormecido, e o alimentado com uma vontade terrível.” declara ele.

Tora! Tora! Tora! ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Visuais em 1970, e foi nomeado para quatro outras categorias. É definitivamente uma obra indispensável na videoteca de qualquer entusiasta da Segunda Guerra Mundial.

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