CHICO XAVIER: O FILME

O filme começa com uma desculpa sincera:

"A história de um homem não cabe num filme. O que se pode é ser fiel à essência de sua trajetória"

O livro "As vidas de Chico Xavier", de Marcel Souto Maior, foi uma bela síntese da vida de Chico Xavier, com causos, biografia, muito humor e investigação. Mas um filme tem de ser ainda mais conciso, e funcionar num outro ritmo, numa outra linguagem. A síntese da síntese, ou seja, a essência. E nisso o filme "Chico Xavier" - que estreou nos cinemas no dia 02 de abril de 2010, quando se comemorou o centenário do niver do Chico - cumpriu sua missão. O roteirista Marcos Bernstein, a montadora Diana Vasconcellos e o diretor Daniel Filho conseguiram deixar o filme redondo, não muito longo, nem muito corrido. Em nenhum momento fica um filme chato, enfadonho, pois sempre intercala drama com pitadas de humor (que existiam, de fato, na vida do Chico).

Um detalhe curioso é que Daniel Filho é ateu, e ficou encantado pela PESSOA do Chico, ao ler o livro. E por isso fez o filme desta forma, não procurando ser proselitista, nem ser uma bandeira do espiritismo (do qual se fala pouco). Achei a abordagem excelente. Talvez fosse mais interessante se Daniel Filho se aprofundasse mais no tema da vaidade (a peruca, as fotos da revista Cruzeiro), mas a gente nota que não há TEMPO de se aprofundar em muitas das facetas do Chico. Fatos interessantíssimos do livro tiveram de ficar de fora (talvez com o sucesso façam uma "versão do diretor"), como a vez que ele tomou um "tiro" de um espírito, que ele achava que era gente viva. Ou o seguinte trecho, que eu considero o mais interessante do livro:
Numa noite, quando já se preparava para dormir suas três horas de sono, Chico foi surpreendido pela visita de uma figura diabólica.
"Você me chamou?"
A voz era arrepiante. Chico ia dizer a verdade, quando Emmanuel o aconselhou a trocar o "não" por um "sim" estratégico.
"Chamei, sim, senhor."
E o que você quer?
Chico arriscou uma resposta política:
"É que a vida está tão difícil que eu queria que o senhor me abençoasse em nome de Deus ou em nome das forças em que o senhor crê."
O recém-chegado perdeu o rebolado e insultou:
"É só a gente aparecer que você cai de joelhos."
Depois sumiu.

As provações se sucediam.
Na noite de 11 de setembro de 1948, Chico Xavier e um amigo, Isaltino Silveira, admiravam Pedro Leopoldo do alto de um morro, na beira de um riacho. Sentado numa pedra, sob a luz de um poste, Chico lançava sobre o papel um poema assinado por Cruz e Sousa. Isaltino substituía as páginas preenchidas por outras em branco. Os dois estavam às voltas com o poeta do além quando escutaram um barulho no mato. Eram passos. O amigo de Chico olhou para trás e levou um susto: um homem enorme, com olhos injetados, avançava na direção deles com um pedaço de pau na mão.
Isaltino levantou-se rápido e se preparou para enfrentar o agressor. Chico, já escaldado, continuou sentado. Sugeriu arma mais contundente: uma boa reza para emitir vibrações positivas. A poucos metros, o agressor parou e começou a balbuciar com a língua enrolada e os olhos fixos em Chico:
- Esta luz nas suas pernas.., esta luz nas suas pernas.
Chico aconselhou:
- Vá para casa e fique na paz de Deus, meu filho.
Isaltino, já refeito do susto, viu o homem dar meia-volta e ficou perplexo diante de um fato insólito. O mato, em um raio de cinco metros ao redor do agressor, ficou todo amassado enquanto ele caminhava. Chico Xavier tentou explicar a história toda: o homem era um médium poderoso, embora descuidado, e tinha sido arrancado da cama por espíritos obsessores, interessados em assassinar os dois e jogar seus corpos no rio. O plano daria certo se os benfeitores espirituais não tivessem envolvido a dupla com um cinturão de luz.
Isaltino ainda estava perplexo. Por que o agressor se referiu à luz nas pernas de Chico? A resposta veio rápida, como se fosse óbvia.
Ele percebeu o foco que os espíritos projetavam sobre o papel durante a psicografia.
Por que o capim em torno dele se amassava?
As tais entidades eram tão ruins que se utilizaram dos fluidos do médium e conseguiram peso específico para provocar o fenômeno físico. Eram aproximadamente duzentos espíritos.
Por isso recomendo o livro. Dá uma idéia do que Chico teve de sofrer por ser médium e ver espíritos (não só espíritos bons), e a perseguição espiritual por desenvolver um trabalho tão importante. Ainda hoje há quem difame o Chico sem NENHUM motivo ou indício de má conduta, apenas por um prazer obsceno de querer jogar os outros na lama em que essa pessoa se encontra.

Os atores estão fantásticos! Desde o garoto (cuja dicção com sotaque mineiro atrapalha um pouco quem não está acostumado à velocidade das palavras) até as mães do Chico, todos estão perfeitos. Eu achei que ia me impressionar com Nelson Xavier (e de fato me impressionei logo na cena de abertura, quando ele bota o óculos, chega me arrepiei), mas foi o ator Ângelo Antônio, que faz o Chico adulto, que pra mim roubou o filme. Nunca pensei que ele, com aquela cara de galã de novela, pudesse se transformar daquele jeito, emulando o Chico! Acho que o trabalho dele foi o mais difícil, já que naquela época Chico não usava os seus icônicos acessórios (a peruca e o óculos), e tudo o que temos dele são as fotos. E, baseado nelas, existe na cabeça de cada admirador do Chico o jeito dele falar, de andar e de se mover, como o "capiau" que era. E Ângelo consegue dar vida àquelas imagens, exatamente como imaginávamos que ele seria!!!! Parabéns!

Já a atuação de Nelson é contida e precisa, digna de um ator consagrado que está apenas "emprestando o corpo" a uma figura conhecida.

Letícia Sabatella, como a mãe do Chico, é uma tchutchuquinha linda (como diria o Marcelo Tas) e competente, e a Giulia Gam (como madrasta) poderia facilmente fazer o papel da Bellatrix no lugar da Helena Bonham Carter.

Tony Ramos fica meio apagadinho durante boa parte do filme, só naquela atuação novelesca, falando alto e resmungando, e tal, mas quando chega na cena do tribunal, o cara BRILHA. Muito. Segurei o choro ali, e quando lembro ainda me emociono.

Até mesmo o personagem Emmanuel, massacrado pela crítica, me parece DEMAIS com o desenho de quem o viu materializado com aquela roupa de tribuno romano, e o jeito "chato" e altivo que ele passa pra quem lê os livros e ouve as divertidas histórias do Chico está ali, bem representado.

O filme se tornou a maior bilheteria nacional numa estréia, sendo visto por mais de 600 mil pessoas e arrecadando nos 3 primeiros dias R$ 5,9 milhões. É o "Avatar brasileiro".

Quem quem já leu o livro vai ao cinema com um monte de informações que só deixam a experiência mais viva, mais emocionante. Infelizmente há uma parte do filme que é central para a vida de Chico, que é a entrevista para a revista "O Cruzeiro", mas que o filme/roteiro não consegue transmitir ao público a real dimensão do que foi aquilo. A revista era o semanal mais lido do Brasil, era a "Veja" e a "Istoé" juntas, e isso foi uma humilhação tão grande para o Chico que ele se afastou da imprensa por vários anos... mas, ao mesmo tempo, isso o tornou mais conhecido em todo o Brasil, e culminou com a entrevista para o programa Pinga-Fogo, que foi um divisor de águas para o espiritismo brasileiro.

No filme vemos Chico psicografando respostas em economês, e até escrevendo de trás pra frente, como num espelho, e em inglês! Isso de fato aconteceu, mas não foi com os repórteres do Cruzeiro, e sim do "O Globo", um pouco antes. Vejamos no livro:
O repórter se empolgou e decidiu, então, submeter o matuto de Pedro Leopoldo a uma série de testes. Chico aceitou o desafio. Questionários elaborados por especialistas foram entregues a ele.
As primeiras perguntas, sobre economia, vieram do gerente do Banco Agrícola de Sete Lagoas, Francisco Teixeira da Costa. Chico levou a prova para casa iria submetê-la aos espíritos - e apresentou as respostas na manhã seguinte.
A primeira questão era muito difícil:
Dado o aumento da população mundial e a escassez de ouro necessário à circulação, a socialização do sistema monetário, tendo por base certa percentagem de exportação de cada país, conseguiria, pela emissão naquela base, regular o fenômeno da troca?
A resposta veio em economês à altura, se arrastou por parágrafos e mais parágrafos, repletos de referências ao lastro regulador e às emissões fiduciárias, e terminou com a assinatura do português Joaquim Pedro d'Oliveira Martins, ex-deputado, ex-ministro da Fazenda e ex-membro da Academia de Ciências de Lisboa, morto em 1894.

O repórter de "O Globo" leu os parágrafos escritos pelo rapaz, mas não se convenceu. Queria respostas em inglês. Em vez de fazer o pedido ao entrevistado, ele resolveu experimentar uma técnica espírita: a de enviar uma "espécie de prece insistente ao rapaz". "Inglês, inglês", mentalizou. O texto veio em português. Quando Clementino já estava prestes a voltar ao ceticismo habitual, apareceram, sob a resposta, dezoito linhas em inglês. Do you have more questions?
O filme termina e acontece algo inédito pra mim até então: as pessoas não se levantam, e continuam em silêncio assistindo aos créditos, enquanto Chico (o verdadeiro) dá sua entrevista ao Pinga-Fogo. Os créditos enfim terminam, e as pessoas saem em silêncio... Um lindo silêncio... E isso vem se repetindo em vários cinemas pelo Brasil.

A única falha do filme foi repetir nos créditos os trechos reais do Pinga Fogo exatamente o que já havia sido falado no filme. Havia tanto o que partilhar de novo, que não tem como não achar um desperdício de oportunidade para os ensinamentos de Chico (na verdade Emmanuel, que tava do lado) chegarem ao grande público. Mas fica a semente, e quem quiser ver o programa Pinga Fogo em sua totalidade pode comprar o DVD (que tem, inclusive, a segunda participação que ele fez no mesmo programa, um ano depois) ou caçar trechos no Youtube (não tem tudo).

Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai
(Mateus 10:8)

Deixando o filme de lado e falando sobre a pessoa Chico Xavier, podemos perceber que a entrada no espiritismo (doutrina então obscura, vinda da França) se deu mais porque foi o único grupo que o acolheu e respondeu a seus questionamentos, dando um sentido ao que estava acontecendo com ele. Claro que isso não foi ao acaso, já que, observando toda a sua vida, vemos que foi um planejamento da espiritualidade para ele ser o introdutor (de fato) e modelo do espiritismo no Brasil. Mas fico aqui a pensar, se ele tivesse tido acolhimento na Igreja Católica, se não teria sido o primeiro santo brasileiro. Afinal, a única "prática espírita" de Chico era a psicografia. A caridade, o amor, a visita aos presos, tudo isso são práticas cristãs que ele nunca negou como tal. Todo o desenvolvimento do corpo doutrinário do espiritismo, através dos livros psicografados por Chico não foi o Chico que escreveu, como ele mesmo dizia. Então poderíamos dizer que ele foi um modelo de cristão para toda a humanidade.

Com isso em mente, comecei a procurar na bíblia como agiam os cristãos. Fiquei um tanto quanto desapontado, quando li em Atos dos Apóstolos o discurso de Pedro, com coisas como "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados", ou "toda alma que não ouvir a esse profeta, será exterminada dentre o povo", e o efeito que isso causava: "Em cada alma havia temor, e muitos prodígios e sinais eram feitos pelos apóstolos." Fiquei meio ressabiado. Quando li a desventura do pobre e "vacilão" Ananias, meu estranhamento se transformou em repulsa:
Mas um certo homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade, e reteve parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e levando a outra parte, a depositou aos pés dos apóstolos.
Disse então Pedro:
Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço do terreno? Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder? Como, pois, formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.
E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E grande temor veio sobre todos os que souberam disto. Levantando-se os moços, cobriram-no e, transportando-o para fora, o sepultaram.
Depois de um intervalo de cerca de três horas, entrou também sua mulher, sabendo o que havia acontecido.
E perguntou-lhe Pedro: Dize-me, vendestes por tanto aquele terreno?
E ela respondeu: Sim, por tanto.
Então Pedro lhe disse:
Por que é que combinastes entre vós provar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e te levarão também a ti.
Imediatamente ela caiu aos pés dele e expirou. E entrando os moços, acharam-na morta e, levando-a para fora, sepultaram-na ao lado do marido. Sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos os que ouviram estas coisas.
(Atos 5:1-11)
Isso não parece coisa de Cristo. Parece mais o modo de operar de certas denominações evangélicas. Ananias e sua esposa certamente não venderam sua propriedade de bom grado e com certeza no coração; me pareciam mais constrangidos a tal (provavelmente pelo tal "temor a Deus e ao Espírito Santo"). Jesus não veio implantar o comunismo compulsório, nem dízimo, nem o medo de Deus. Por que então seus apóstolos se deram esse direito?

Chico Xavier seria, então, um cristão, no sentido de "apóstolo de Cristo"? Um homem que trocou o "temor" pelo "amor" (como, aliás, fez Jesus) não merece ser confundido com práticas doutrinárias distorcidas de milênios atrás. Como Jesus ensinou, "não se põe vinho novo em vasilhames velhos, do contrário se arrebentam. Perde-se o vinho, e perde-se o vasilhame. Mas põe-se vinho novo em vasilhames novos, e assim ambos se conservam".

E é por isso, então, que Chico Xavier está melhor denominado como "Espírita". Em um sentido não tão próximo do estipulado por Kardec (mais racional e menos emotivo), mas sim do exemplo de Jesus. Infelizmente Chico acaba sofrendo do mesmo mal que assolou Jesus: a idolatria. Em vez de seguirem seu exemplo, a maioria se satisfaz em idolatrá-lo, colocá-lo num altar, fazer pedidos e achar que com essa babação estão "salvando sua alma". Chico é um guia, como muitos que vieram à Terra pra nos mostrar o caminho através de ações. Do que precisamos na Terra: Mais "Lady Gagas" ou mais "Chicos"? E como estamos educando nossas crianças? Pra admirar e se espelhar em um, ou outro?

Nos comentários sobre Chico encontrei um relato de Daniela Assunção, que comove pela singeleza. Nos lembra o quanto estivemos "perto" dele, do quanto ele estava presente em nossas vidas, na nossa (pelo menos a minha) geração.
Quando tinha por volta de 10-12 anos, meu nariz sangrava sem motivo algum durante a noite. Procurei médicos e fiz exames, que nada constataram de anormal. Minha mãe ficou sabendo na época que Chico Xavier prescrevia medicamentos através de cartas que deveriam ser escritas de próprio punho pela pessoa que tivesse qualquer tipo de problema de saúde.
Assim o fiz, escrevendo apenas, com minha letrinha infantil, meu nome completo, data de nascimento e idade. NADA MAIS.
Enviei pelo Correio com outro envelope já endereçado e selado para resposta. Em menos de 15 dias, recebi uma carta, uma espécie de receita médica, com 1 medicamento (não lembro agora o nome) e 1 vitamina. Fomos à farmácia e lemos a bula. BINGO! Era exatamente o que eu precisava: algo que tinha a ver com o tal sangramento, com problema de coagulação...

Perdoem-me por não lembrar de todos os detalhes. Eu era criança e isso já faz mais de 20 anos.
Só me lembro que fiquei realmente impressionada por não ter escrito NADA sobre o problema que tinha e não ter estado na presença dele para receber esta cura.

Sou muito grata a Chico Xavier e a todos que trabalharam com ele e faziam ser possível atender a tantas pessoas, de formas diversas, por tanto tempo. Mesmo doente, fraco.. ainda assim se doava aos outros cumprindo sua missão nesta vida. Qualquer outro comentário a respeito de sua personalidade é pura falta de foco pra não se olhar para a verdade.
Obrigada por esta reflexão.
Futuras gerações dificilmente acreditarão que tenha passado sobre a Terra um homem como Chico Xavier
(Huberto Rohden)

Infelizmente isso é verdade. Porque é mais fácil (e bonito) venerar o brilho do diamante lapidado do que lapidar a pedra bruta em nós.

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