Geometria Dinâmica: Uma nova abordagem para o aprendizado da geometria

Aos alunos ingressantes no curso de Licenciatura em Matemática da UFRGS é oferecido como obrigatório, no primeiro ano,uma disciplina de Geometria Plana e Espacial. Constata-se nesta disciplina que os alunos chegam à universidade sem terem atingido os níveis mentais da dedução e do rigor. Raciocínio dedutivo, métodos e generalizações - processos característicos e fundamentais da Geometria- os alunos pouco dominam. Até mesmo apresentam pouca compreensão dos objetos geométricos, confundindo propriedades do desenho com propriedades do objeto.

Parte desta problemática tem origem nos programas e práticas de ensino de nossas escolas: é o tratamento estereotipado dados aos objetos geométricos, é a apresentação de demonstrações com argumentos ordenados e prontos. Os livros escolares iniciam com definições, nem sempre claras, acompanhadas de desenhos bem particulares, os ditos desenhos prototípicos. Por exemplo, quadrados com lados paralelos às bordas da folha de papel, retângulos sempre com dois lados diferentes, alturas em triângulos sempre acutângulos, etc... Isto leva os alunos a não reconhecerem desenhos destes mesmos objetos quando em outra situação. E mais, para os alunos, a posição relativa do desenho ou seu traçado particular, passam a fazer parte das características do objeto, quer no aspecto conceitual ou quer no aspecto figural, estabelecendo desequilibrios na formação dos conceitos como veremos adiante. O aspecto de construção de objetos geométricos raramente é abordado; dificilmente encontramos no livro escolar a instrução “construa”, e no entanto esta é uma das atividades que leva o aluno ao domínio de conceitos geométricos. Mais difícil ainda é encontrar questões do tipo “o que podemos dizer nesta situação?”ou “que regularidades percebemos?”, onde estratégias de investigação devem ser estabelecidas.

Mas não é só isto. Se pensarmos em Geometria como processo de interiorização e apreensão intelectual de experiências espaciais, o aprendizado passa por um domínio das bases de construção deste ramo do conhecimento, e aqui a abstração desempenha papel fundamental. Nesta “matematização”- leitura do mundo através da matemática- os objetos do mundo físico passam a ser associados a entes abstratos, que são definidos e controlados por um corpo de pressupostos, o sistema de axiomas da teoria. Na transição para este mundo existem dificuldades inerentes ao processo, provenientes do confronto entre conceitos científicos e não científicos.

As questões as quais vamos nos deter aqui são duas: os processos de formação do conceito de objeto geométrico e de transição entre o experimental e o abstrato. Analisamos as dificuldades inerentes a estes processos e apresentamos o desenvolvimento de duas sessoes de trabalho com os alunos do nosso curso onde evidencia-se o quanto softwares com recurso de “desenhos em movimento” (como por exemplo Cabri-Géomètre* e Geoplan**) podem ser ferramentas ideais na
superação das dificuldades. Vemos emergir uma nova forma de ensinar e aprender Geometria; a partir de exploração experimental viável sòmente em ambientes informatizados, os alunos conjeturam e, com o feedback constante oferecido pela máquina, refinam ou corrigem suas conjeturas, chegando a resultados que resistem ao “desenho em movimento”, passando então para a fase abstrata de argumentação e demonstração matemática.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE AS DIFICULDADES INERENTES AO APRENDIZADO DA GEOMETRIA

Com o propósito de tornar claro os obstáculos inerentes ao aprendizado vamos trabalhar dentro da teoria proposta por Fischbein[1993], onde o objeto geométrico é tratado como tendo duas componentes, uma conceitual e a outra figural. A componente conceitual, através de linguagem escrita ou falada , com maior ou menor grau de formalismo dependendo do nível de axiomatização com que se está trabalhando, expressa propriedades que caracterizam uma certa classe de objetos. Já a componente figural corresponde a imagem mental que associamos ao conceito, e que no caso da Geometria, tem a característica de poder ser “manipulada” através de movimentos como translação, rotação, e outros, mas mantendo invariantes certas relações. A harmonia entre estes duas componentes é que determina a noção correta sobre o objeto geométrico.

Na formação da imagem mental, o desenho associado ao objeto geométrico desempenha papel fundamental. Para o aluno nem sempre é de todo claro que o desenho é apenas uma instância física de representação do objeto. Se por um lado o desenho é um suporte concreto de expressão e entendimento do objeto geométrico - o que fica transparente na nossa atitude frente à um problema: a primeira coisa que fazemos é desenhar a situação, quer numa folha de papel ou quer na tela de um computador - por outro lado, pode ser um obstáculo a este entendimento. E isto porque guarda características particulares que não pertencem ao conjunto das condições geométricas que definem o objeto. É interessante observar que, dependendo do estágio de desenvolvimento mental, os alunos trabalham meticulosamente buscando a “perfeição” do desenho, como se este fosse “o objeto geométrico”, deixando as propriedades abstratas, que dão existência ao objeto, em segundo plano. Até mesmo, confundem características físicas do desenho (espessura do traçado, tamanho do ponto) com propriedades geométricas, ao dizerem, por exemplo, que “círculos tangentes se interceptam em infinitos pontos”.

“A dificuldade em manipular objetos geométricos, a saber , a tendência em negligenciar o aspecto conceitual pela pressão de restrições do desenho, é um dos maiores obstáculos para o aprendizado da Geometria...Frequentemente condições figurais (de desenho) escapam do controle conceitual, e impoem, a linha de pensamento, interpretações que do ponto de vista de desenho são consistentes, mas que não são condições conceituais.”

Em situações mais complexas de aprendizagem, impõem-se a habilidade de saber controlar diversas informações no mesmo desenho. Associada a propriedade geométrica sempre temos uma configuração, ou seja, objetos geométricos em relação, com componentes conceitual e figural. Deduzir uma propriedade significa estabelecer uma cadeia lógica de racicínios conectando propriedades do enunciado tomadas como pressupostos (hipóteses) às propriedades ditas decorrentes(teses). Esta cadeia de raciocínios é o que denominamos de argumentação lógica e dedutiva. O desenho entra aqui como materialização da configuração geométrica, guardando as relações a partir das quais decorrem as propriedades. Neste processo de argumentação as duas dificuldades básicas são: a)perceber no desenho configurações simples dentro de configurações complexas, as quais vão ser os “elos” compondo a cadeia de argumentação e b)controle do desenho para que caracteristicas de contingencia da representacao nao sejam incorporadas as propriedades matematicas que determinam a configuracao. Por exemplo: é comum os alunos dizerem que “as mediatrizes de um triângulo se intreceptam num ponto no interior do triângulo”. A
propriedade passa a ser tomada como tal devido ao desenho prototípico em associação, o qual apresenta o ponto de interseção sempre no interior do triângulo.

A apresentação de alguns ítens, e respectivos resultados quantitativos, do questionário aplicado as alunos ingressantes no curso no ano de 1995, serve para ilustrar as dificuldades apontadas acima, a saber a desarmonia entre componente conceitual e figural, e mostra também como o desenho contribui para tal:

ITEM 1 : Defina quadrado

ITEM 2 : Defina retângulo e paralelogramo
Resultados

lados iguais 48%
correta particular sem resposta

lados iguais e ângulos de 90 50 %
retângulo 28% 47% 25%

lados iguais e paralelos 2 %
paralelogramo 30% 16% 54%

Algumas respostas:

Para retângulo:

“Possui dois lados maiores congruentes e dois lados menores também congruentes, formando ângulo de 90.”

“Tem quatro lados sendo cada dois paralelos com a mesma medida e diferentes para cada dois lados.”

Para paralelogramo:

“Figura com quatro lados, com dois lados iguais entre si e formando dois ângulos agudos e dois ângulos obtusos.”

“Figura com dois vértices opostos com ângulos agudos iguais e outros dois vértices opostos com ângulos obtusos iguais.”

ITEM 3:

*para triângulo, defina altura relativa ao lado

*trace as alturas dos triângulos abaixo, relativamente aos lados destacados

Resultados
relativos a definição:

correto incorreto em desenho sem branco definição
24% 21% 34% 19%

Resultados relativos aos desenhos:

correto incorreto
(1) 90% 10%
(2) 17% 83%
(3) 49% 51%

Algumas respostas:
“A altura de um triângulo é sempre da base até a parte mais alta do mesmo. É um segmento”.
“Altura é a linha vertical que une a base lado do triângulo ao vértice oposto”.
“Altura é a distância que vai de um vértice até a base perpendicularmente”.
“É o segmento do ponto médio do lado até o vértice oposto à ele”.

Em todos os itens acima percebe-se o desequilíbrio entre componentes conceitual e figural do objeto geométrico: na definição de quadrado não são guardadas informação sobre os ângulos; as definições de retângulo e paralelogramo guardam particularidades sobre tamanho dos lados; a altura do triângulo guarda a particularidade do desenho prototípico, sendo identificada com o segmento que tem extremidades no lado “base” e vértice oposto a esta base, estando o segmento sempre no
interior do triângulo .

ITEM 5: A partir dos elementos dados na figura, calcule os ângulos x, y e z:

Resultados:

correto incorreto sem resposta
x
42% 20% 38%
y
62% 6% 32%
z
62% 6% 32%

Percebe-se aqui a dificuldade na identificação de configurações simples dentro de configurações complexas; o cálculo dos ângulos y e z envolve a propriedade da soma dos ângulos de um triângulo, que é bastante familiar aos alunos; já o cálculo do ângulo x envolve propriedade decorrente do paralelismo, estando esta configuração imersa em configuração mais complexa.

Tanto no caso de formação de conceitos, quanto de dedução de propriedades, podemos concluir que grande parte das dificuldades se originam no aspecto estático do desenho. Se passamos para um tratamento de “desenhos em movimento”, as particularidades da contigência de representação física mudam, e o que emerge são os invariantes, ou seja as reais propriedades geométricas da configuração. Um dos aspectos importantes na investigação matemática é a abstração da invariança, mas para reconhece-la, para ver o que permanece igual, devemos ter a variação. A idéia de movimento é inseparável da idéia de invariante geométrico, e isto não é nada de novo como bem documenta Laborde[1992].

Numa sala de aula convencional até podemos imaginar um ensino que olhe para configurações com “desenhos em movimento”.Mas em configuração com muitos objetos em relação tal se torna difícil, já que o movimento sincrônico dos elementos pode ser complexo. Especialmente nestas situações o recurso informático entra como ferramenta ideal.

OS PRINCIPIOS DA GEOMETRIA DINÂMICA

Vamos descrever os programas construídos dentro de princípios de “geometria dinâmica”. São programas que se opõem aos do tipo CAI (Computer Assisted Instruction). São ferramentas de construção: desenhos de objetos e configurações geométricas são feitos a partir das propriedades que os definem. Através de deslocamentos aplicados aos elementos que compõe o desenho, este se transforma, mantendo as relações geométricas que caracterizam a situação. Assim, para um dado objeto ou propriedade , temos associada uma coleção de “desenhos em movimento”, e os invariantes que aí aparecem correspondem as propriedades geométricas intrínsicas ao problema. E este é o recurso didático importante oferecido: a variedade de desenhos estabelece harmonia entre os aspectos conceituais e figurais; configurações geométricas clássicas passam a ter multiplicidade de representações; propriedades geométricas são descobertas a partir dos invariantes no movimento.

As características dos programas com os quais temos trabalhado, Cabri-Géomètre* e Geoplan**, são similares. Ambos oferecem o recurso da “régua e o compasso eletrônicos”, sendo a interface de menus de construção em linguagem clássica da Geometria.

Através de um exemplo simples ilustramos a questão da estabilidade de construção: um quadrado construído a partir da experiência sensível (desenho tipo “à mão-livre”) e um quadrado construído com controle geométrico (desenho a partir das propriedades geométricas que o definem) tem o mesmo aspecto exterior:

Sob movimento, obtido a partir do deslocamento do vértice C, o primeiro se deforma. O segundo muda de tamanho ou posição, mas mantém suas características geométricas (continua quadrado), e isto porque foi construído dentro de princípios geométricos.

Ambos os programas apresentam: recurso de supressão(aparente) de elementos da tela que não interessam em determinada situação didática; recursos de medida, cor e textura para os objetos. Cabri-Géomètre permite a criação de construções que passam a fazer parte do menu (as macro-construções). Geoplan permite a criação de comandos que controlam a introdução gradativa de informação, conforme o aluno vai evoluindo na atividade. Geoplan ainda oferece a possibilidade de trabalhar uma mesma situação em contextos diferentes, a saber geométrico e algébrico, recurso didático importante discutido por Douady[1986] em seu trabalho sobre jogo de quadros.

Dois são os principais aspectos didáticos de utilização dos programas: a)os alunos constroem os desenhos de objetos ou configurações, quando o objetivo é o domínio de determinados conceitos através da construção; b) recebem desenhos prontos, projetados pelo professor, sendo o objetivo a descoberta de invariantes através da experimentação e, dependendo do nível de escolariade dos alunos, num segundo momento, trabalham as demonstrações dos resultados obtidos experimentalmente.

Através de exemplos, da nossa prática e também registrados na literatura, vamos ilustrar a eficiência destes programas frente as dificuldades discutidas anteriormente:

Exemplo 1:

Como vimos, é comum alunos definirem retângulo como sendo “quadrilátero com ângulos retos e pares de lados diferentes”. E isto se explica: quando na sala de aula o aspecto conceitual é apresentado, o aspecto figural se fixa a partir do desenho particular apresentado, o qual tem sempre lados diferentes.

Se os alunos constroem um desenho de retângulo dentro de princípios geométricos, através de movimentos obtém uma família de representantes, sendo que um deles tem os quatro lados de mesma medida, o que significa que “ter lados diferentes” não é característica do retângulo.

Exemplo 2:

Quando os alunos são solicitados a traçar alturas de triângulos relativa à lados e desenhos não protótipos, os erros são recorrentes. Os desenhos abaixo são respostas dos alunos a solicitação de traçarem as alturas dos triângulos relativamente ao lado AB:

Percebe-se em cada um dos casos a interferência da particularidade do desenho que lhes foi apresentado em situação de aprendizagem dominando o conceito: em (a) e (c) para manter ou aspecto de verticalidade ou o segmento no interior do triângulo não consideram que a altura deve ser traçada em relação ao lado AB; em (b) para manter o segmento no interior do triângulo ignoram a perpendicularidade.

Numa construção em “geometria dinâmica”, podemos manter um lado do triângulo fixo e fazer o vértice oposto deslocar-se numa paralela à este lado. Obtemos uma família de desenhos com triângulos e segmentos alturas em diversas situações. E o segmento altura passa a ser visto com mais significado: é o segmento entre retas paralelas determinando a distância entre um vértice e a reta suporte do lado oposto ao vértice.

Exemplo 3:

Na busca de solução de um problema um dos pontos chaves é a percepção de configurações simples dentro de configurações complexas. Muitas vezes a dificuldade é que o aspecto figural da configuração está fortemente associado à um desenho particular. E quando este desenho se apresenta em outra forma , é difícil reconhecê-lo. Por exemplo: o desenho (a) abaixo é logo associado ao teorema de Tales e sua recíproca;já os desenho (b) e (c ) não tem o mesmo reconhecimento imediato. Uma consulta aos livros escolares explica este fato: sempre temos o primeiro desenho como representante da configuração em questão.

Numa geometria dinâmica, movimentos sobre as retas transversais permitem associar uma coleção de imagens ao aspecto figural do teorema:

EXPERIMENTO, CONJETURA E DEMONSTRAÇÃO: UM CAMINHO NATURAL

Vamos ilustrar, através de relato de experiências com os alunos ingressantes no nosso curso, as possibilidades dos programas com recursos de “desenhos em movimento” para descoberta de propriedades geométricas de uma dada configuração. Tratamos problemas do tipo aberto, isto é, no enunciado não há indicação de resposta. Nesta situação, o aspecto dinâmico do desenho desencadeia um processo desafiador e interessante de ensino e aprendizagem. As explorações e estratégias que vão se delineando ao longo do trabalho são similares as que acontecem no ambiente de pesquisa de um matemático profissional. Esta postura investigativa contribui para a formação de uma concepção sobre matemática diferente daquela construída, usualmente, ao longo da vida escolar.

Nosso relato e análise das atividades está baseado em observações qualitativa s, e escolhemos como caminho de percurso o que julgamos mais interessante em termos de estratégia de trabalho, e que foi adotado por boa parte dos alunos. O professor interagiu com os alunos como questionador e mediador, procurando situá-los, sempre que necessário, no ponto central do problema, mas deixando sempre para os alunos o ajuste das conjeturas.

Sessão I:

A atividade aqui relatada foi desenvolvida em ambiente informatizado usando o programa Geoplan**. Aos alunos de primeiro semestre, da disciplina de Geometria, foi apresentado o problema abaixo, com desenho já pronto na tela do computador:

“Considere um quadrilátero €ABCD convexo e os pontos médios M, N, P e Q de seus lados. Que tipo de figura é o quadrilátero €MNPQ ? Caracterize-o em termos de propriedades do quadrilátero externo”.

(obs: no relato à seguir vamos nos referir aos quadriláteros como QE e QI, correspondendo aos quadriláteros externo e interno, respectivamente)

Um dos objetivos da atividade foi o desenvolvimento de resultados de geometria do tipo “condição necessária e suficiente”, os quais sempre apresentam dificuldades para alunos, porque exigem domínio de escolha de pressupostos(hipóteses) e de consequências(teses).

Inicialmente pedimos aos alunos que descrevessem a estratégia de exploração utilizada, o que é fundamental para controlar a variedade de situações que se sucedem na tela. Observamos que os alunos com estratégias imprecisas(tipo “experimentando para ver no que resulta”) obtiveram menos resultados do que alunos com estratégias mais bem definidas (tipo:estudar ordenadamente casos QE quadrado, QE retângulo, QE paralelogramo...)

Movimentando os vértice de QE os alunos foram estabelecendo conjeturas. Com o feedback constante, foram corrigindo ou refinando estas conjeturas, até chegarem as propriedades que caracterizam o quadrilátero interno, como veremos adiante. É interessante observar que os elementos geométricos que vão caracterizar as diversas situações, ou seja, os elementos que resolvem o problema, não estão explícitos no desenho que representa a configuração. Tiveram que ser descobertos pelos alunos, estabelecendo-se nesta investigação o espírito da pesquisa em matemática.

Os alunos iniciam movimentando os vértices do QE(quadrilátero externo), sem muito critério, procurando observar regularidades no QI(quadrilátero interno). Percebem que QI se mantém sempre paralelogramo, e identificam a configuração associada ao teorema do segmento médio como a chave da argumentação matemática para a propriedade visualizada:

A seguir usam a estratégia de ordenação para QE (quadrado, retângulo, losango...), experimentando e conjeturando, e usando o recurso de quadriculado da tela (característica didática importante do Geoplan) para desenhar as figuras :

“se QE é quadrado então QI é quadrado ( e já conjeturam a recíproca, se QI quadrado então QE quadrado)... se QE retângulo então QI losango...se QE losango ou pandorga então QI retângulo...se QE trapézio isósceles então QI losango...”

Neste momento dão-se conta de que não é o tipo de figura externa que caracteriza a figura interna, pois para retângulo e trapézio a figura interna é a mesma, assim como para losango e pandorga. Não existe unicidade nesta correspondência , o que põe imediatamente em dúvida a primeira conjetura. Ou seja, a forma externa é condição suficiente para garantir a forma interna, mas não é necessária.

Na investigação da recíproca, isto é “se QI é quadrado, quem é QE?” grande discussão se estabelece entre os alunos (o aspecto de interação social propiciado pelos ambientes informatizados como fator positivo de construção de conhecimento merece ser analisado) . Movimentam os vértices de QE procurando manter QI quadrado, na busca de entendimento sobre a figura externa. Algumas regularidades aparecem, como trapézios isósceles. Mas ficam verdadeiramente surpresos ao obterem um QE aparentemente qualquer com um quadrado no seu interior. Começam a pensar que um qualquer não pode ser, pois na exploração inicial aparece QI do tipo paralelogramo, e sendo o quadrado um caso particular de paralelogramo, o seu QE externo deveria guardar alguma propriedade particular:

O próximo passo foi descobrir que particularidade é esta. Analisam triângulos do desenho, mas logo percebem que tal abordagem não é a mais indicada para um processo construtivo de classificação. Fica evidente neste ponto que elementos não explícitos no desenho é que guardam a caracterização que estão procurando. Que elementos são estes? Alguém pensa em olhar para as diagonais de QE, e em seguida esta idéia se dissemina no grupo. Com estes novos elementos na configuração, usando “desenhos em movimento” que tem QE aparentemente do tipo qualquer, percebem novos invariantes e fazem conjeturas:

“QI é quadrado se e sòmente se as diagonais de QE se interceptam perpendicularmente e são congruentes... QI é retângulo se e sòmente se as diagonais de QE se interceptam perpendicularmente...QI é losango se e somente se as diagonais são congruentes...”

E assim a diagonais passam a ser os objetos para a caracterização, fato que, num primeiro momento, não é era nada evidente para os alunos.

Os alunos trabalharam de modo experimental até refinarem suficientemente as conjeturas, de forma tal a serem resistentes ao desenho em movimento. A partir deste momento sentiram a necessidade de argumentar matemáticamente sobre as evidências obtidas de modo experimental.

Sessão II A atividade aqui relatada foi desenvolvida em ambiente informatizado usando o programa Cabri-Géomètre*. Aos alunos foi apresentado o problema abaixo, com desenho já pronto na tela do computador:

Sejam ABC é um triângulo retângulo e P é um ponto móvel na hipotenusa BC. Se I e AB e J e AC são tais que PI é perpendicular à AB e PJ é perpendicular à AC, existe situação em que IJ atinge valor mínimo?

Os alunos de imediato fazem uma primeira conjetura, bastante natural:

“IJ é mínimo quando AIPJ é um quadrado, já que o quadrado é um caso particular dentre todos os retângulos AIPJ assim como o mínimo é um valor particular para os comprimentos IJ”.

Esta conjetura se mantém estável por algum tempo, apoiando-se no aspecto visual do segmento IJ, em termos de tamanho. E isto acontece porque os alunos trabalham com triângulos cujos catetos AB e AC não tem medidas muito diferentes, e é verdade que para triângulos isósceles o mínimo de IJ é atingido quando AIPJ é quadrado. Este comportamento evidencia a imagem mental guardando um triângulo prototípico: as medidas dos lados se parecem, não aparecendo triângulos com ângulos muito agudos.

Usando o recursos de “desenho em movimento” e medição de segmentos oferecidos pelo programa, os alunos começam a explorar situações diferentes das prototípicas:

E com isto a conjetura inicial não se sustenta mais. Surge naturalmente a pergunta:

“Qual é a particularidade do retângulo AIPJ que garante o valor mínimo para IJ?”

Fazendo uma análise puramente visual e experimental os alunos percebem que o valor mínimo para IJ acontece quando AP é perpendicular à BC. Mas esta informaçao ainda não é satisfatória , porque não guarda claramente o controle sobre o valor mínimo de IJ. O processo de análise da situação continua e os alunos trabalham algum tempo com os “desenhos em movimento” tentando identificar a característica geométrica que determina o valor mínimo para IJ. Finalmente as conclusões que respondem a pergunta aparecem:

“IJ é congruente à AP porque AIPJ é retângulo, e assim controlar o comprimento de IJ é equivalente a controlar o comprimento de AP”...
“Para P variando em BC, o segmento AP atinge seu valor mínimo quando corresponde à distância de A à reta BC”...
“A distância de A à BC é dada pelo segmento AP quando este é perpendicular à reta”...

Vemos assim, nas duas sessões, a ferramenta informática propiciando uma abordagem experimental da matemática. A partir de experimentos “dinâmicos”, regularidades e invariantes vão aparecendo, e pela essência do pensamento matemático, surge naturalmente a busca de uma demonstração que independa de experiências concretas, no caso as simulações em computador. É o processo de dedução e rigor que se estabelece.

CONCLUSÕES

A partir de nossa experiência e de pesquisas publicadas podemos dizer que os programas de criação de micro-mundos de Geometria, como Cabri-Géomètre e Geoplan, constituem ferramentas poderosas na superação dos obstáculos inerentes ao aprendizado. Nestes ambientes conceitos geométricos são construídos com equilíbrio conceitual e figural; a habilidade em perceber representações diferentes de uma mesma configuração se desenvolve; controle sobre configurações geométricas levam a descoberta de propriedades novas e interessantes. Quanto as atitudes dos alunos frente ao processo de aprender: experimentam; criam estratégias; fazem conjeturas; argumentam e deduzem propriedades matemáticas. A partir de manipulação concreta, “o desenho em movimento”, passam para manipulação abstrata atingindo níveis mentais superiores da dedução e rigor, e desta forma entendem a natureza do raciocínio matemático.



Artigo publicado nos Anais do VII Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, p.1-13, Belo Horizonte, Brasil, nov 1996

Maria Alice Gravina
gravina@if.ufrgs.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário